Sem empatia, não há revolução, Parte 2
Se você ainda não leu a Parte 1, clique aqui. Depois volta pra cá! Agora, ao texto
Na Parte 1 do texto, falei sobre como pode ser difícil para cada um dos agentes envolvidos no processo educacional mudar suas ações. Para enfrentar essas barreiras consistentes, algumas características são fundamentais.
- Humildade. Você não sabe tudo. Pesquisas em educação mostram algo que é óbvio para quem já leu qualquer estudo sobre o tema. A mesma intervenção pode ter efeitos radicalmente diferentes dependendo do contexto. Você precisa do apoio de quem está no cotidiano da educação para que sua intervenção/inovação funcione
- Realismo. Não há bala de prata que vá resolver todas as questões educacionais. O pesquisador Justin Reich do MIT, que recentemente lançou o livro Failure to Disrupt (Falha ao “disruptar”, em tradução livre) se define como um “tinkerer”. Esse termo refere-se uma pessoa que faz uma série de pequenos ajustes para ir entendendo como alcançar os resultados que almeja. Só assim é possível alcançar alguma mudança em educação.
- Pensamento de longo prazo. Resiliência é chave. Se é necessário ir ajustando a rota aos poucos, não iremos alcançar nossos objetivos rapidamente. Mudanças educacionais costumam demorar.
- Visão sistêmica. Já falamos sobre os diferentes agentes envolvidos no processo educacional. São tantas variáveis envolvidas que precisamos ser capazes de entender o sistema complexo que estamos para poder influenciar esses diferentes componentes.
- Curiosidade. Se não está claro ainda, vou explicitar. Educação é difícil. Há de se estudar e aprender muito para se obter sucesso. Sem curiosidade genuína isso é impossível.
Você (e seus colegas, porque, pode ter certeza, nada será feito sozinho) tem essas características? Ótimo! O que será necessário portanto?
- Partir de objetivos claros
É comum que me perguntem o que é inovação em educação para mim. A distinção que sempre faço é entre inovação e novidade. Novidade temos aos montes em educação. Inovação, nem tanto.
Um bom exemplo do acervo do “Museu de Grandes Novidades Educacionais” é a Lousa Digital. A premissa é interessante. Trazer ao professor mais possibilidades de criação, formas diferentes de interação dos alunos com o conteúdo… o problema: em boa parte dos lugares onde as lousas foram adotadas, não havia qualquer objetivo concreto. Era uma novidade que chamava atenção.
Na indústria educacional, muitas escolas recebiam de Sistemas de Ensino durante os anos 2000 lousas para impressionarem as famílias. Lousas essas que, posteriormente, não tinham qualquer serventia real a não ser….ser uma lousa branca. Só que cara.
Portanto, se vai introduzir algum novo software ou hardware, parta do “porquê”. Qual o resultado almejado? São notas maiores? Alunos mais felizes? Redução de evasão? A partir disso, pense na experiência necessária para que aquilo se dê. E sim, aplique o Lean Startup, ou qualquer versão do método científico que te permita entender se o que desenvolveu tem utilidade, ou é mais uma novidade.
É só assim que conseguimos inovar de fato. Inovar significa mudar efetivamente a forma como se dá a relação entre os agentes no ambiente educacional em prol de objetivos educacionais concretos. Não é fácil. Só reforçando :)
2. Envolver os agentes no processo
Voltando ao Lean Startup, ele pode ser o norteador do processo de inovação sem a menor dúvida. Mas, para conseguir utilizá-lo, em educação temos que lembrar de um elemento fundamental. A comunicação deve atingir os múltiplos agentes que comentamos no texto anterior: alunos, professores, gestores e responsáveis devem entender também o “porquê”. Sem alguma forma de compreensão, engajá-los no processo para que confiem nas mudanças propostas torna-se impossível. Importante notar entretanto que, nem todas as intervenções precisam ser comunicadas a todos os agentes. Mapear quais precisam participar efetivamente é um passo importante de qualquer inovação.
3. Ressignificar nossa relação com avaliações
Isso não é algo que você, empreendedor, necessariamente conseguirá intervir. Mas é um elemento para levar em consideração ao analisar o contexto. Como comentamos no texto anterior, as notas, por direcionarem o foco totalmente em muitos ambientes sobre o que é sucesso educacional, pode ser uma ferramenta que impede a inovação. Mas se você se deparar com gestores que estão dispostos a abdicar no curto prazo do foco absoluto em notas ou, se a compreenderem como o que são, uma forma de comunicação, pode estar em um bom contexto para trazer inovação.
Um exemplo super interessante vem do Ceará. Começando pela “capital nacional da educação”, Sobral, o estado revolucionou a forma como alfabetiza suas crianças. No caso, as notas são e sempre foram super relevantes para o direcionamento das ações. Mas elas passaram a ser compreendidas por meio de uma visão contextualizada e coletiva.
Em conversa com um antigo secretário de educação de Sobral, ele me contou sobre como, ao longo dos anos eles aprenderam a usar as notas de forma adequada. Primeiro passaram a olhar para grupos de escolas e cobrar e incentivá-las de modo a mostrar que existiam boas práticas em unidades semelhantes que poderiam inspirá-las a evoluir. Isso seria posteriormente reproduzido no Ceará. Portanto, o contexto está sendo considerado e não apenas o resultado final.
Mais impressionante, no entanto, foi que, ao escalar para o restante do Estado, municípios passaram a ser pareados: municípios com resultados fortes eram bonificados, porém só ganhavam um segundo bônus caso apoiassem a evolução de um município que lhes era direcionado para mentoria. Caso houvesse novo aumento na segunda nota, ambos eram bonificados.
O que o Ceará fez portanto, foi reconhecer que as notas têm contexto e que podem ser utilizadas como mecanismo de diagnóstico, reconhecimento e transmissão de boas práticas. No fim do dia, os alunos no nível micro são beneficiados por uma visão macro completamente distinta sobre a lógica por trás de notas. A conta de risco x retorno foi modificada já que havia incentivo a modificar práticas pedagógicas que eram adotadas há anos nos municípios com resultados fracos. Isso se alinha ao próximo ponto.
4. Fomentar cultura de experimentação
Ao entender o contexto onde está se inserindo, enxerga a possibilidade de educadores experimentarem e errarem? Existe uma cultura de colaboração? Esses elementos são essenciais para qualquer mudança que se queiram implementar.
Em 2019, tive a oportunidade de visitar Singapura e ver como o ambiente educacional do país funciona. Ao entrar nas salas de aula, não víamos nada aparentemente revolucionário. Mas ao assistir as aulas, se entendia um pouco dos motivos por trás dos resultados excelentes. Havia uma preocupação enorme com a metodologia pedagógica utilizada. Ao buscar entender como os professores se desenvolviam, fomos apresentados ao conceito de “tight-lose-tight” (apertado-solto-apertado).
O que isso significa? Significa que partem de um objetivo pedagógico muito concreto. Sabem detalhar o tipo de aluno que querem formar. Está aí o primeiro “apertado”. Ao fim de determinadas etapas de aprendizagem, os alunos passam por avaliações para verem se estão alcançando o que imaginam. O outro “apertado”. O “solto”? O “como”. As escolas tinham espaço para experimentar.
Visitamos uma escola que permeou o currículo inteiro com elementos de artes cênicas. Conheci uma startup que ganhou do governo a possibilidade de fazer o “rollout” de seu produto em basicamente todas as escolas do país. O governo bancava tudo. Em troca, as escolas que aderiam precisavam entregar planos de aula feitos com os materiais. Experimentação e colaboração na veia, permitindo que o país inteiro se mobilizasse de modo a ir evoluindo o processo educacional.
Como empreendedor, busque colaborar com a comunidade no entorno de seu produto/serviço. Daí virão seus melhores consultores.
4. Entender o papel real de novas tecnologias: edtech como diálogo, não revolução
Justin Reich, pesquisador que escreveu o Failure to Disrupt é categórico sobre o papel de EdTech no setor educacional. Não há uma companhia específica que irá modificar completamente o setor. Mas EdTech é parte fundamental do mundo como ele é. E, mais importante, abre a possibilidade de diálogo, do que é possível, do que é necessário e como podemos melhorar o sistema que herdamos. E que queremos evoluir adiante.
Isso significa que, empreendedores em EdTech precisam estar dispostos a conversar uns com os outros. Mudanças significativas provavelmente precisarão de uma série de soluções e não apenas uma única grande companhia revolucionária.
Significa também que seu papel, ao entrar em uma escola, é facilitar por meio de sua ferramenta, boas conversas. Formas de que os agentes educacionais possam discutir, experimentar, modificar o que estão fazendo e se apropriar do ferramental para, eles mesmos transformarem seu contexto. Seja curioso sobre as experimentações sendo feitas, há inúmeros aprendizados a serem extraídos daí. Afinal, não é aprendizagem o nosso negócio?