Invisíveis

Guilherme Cintra
4 min readMay 28, 2021

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Há na vida, coisas muito mais importantes do que o que é visível.

Recentemente, resolvi organizar minhas ideias. Por vezes organizamos armários e encontramos aquela roupa velha lá no fundo. Aquela que por lá está, mas por algum motivo, não conseguimos nos livrar. Afinal algum dia pode ser útil. Após quase descartar essa frase, decidi por dar mais uma olhada.

A frase parecia velha e surrada. Clichê. Mas parecia existir algo de valor por ali. E comecei a brincar com ela em minha mente. E passei a pensar sobre ideias, simples ideias. Aquelas que não têm qualquer valor pois nos esbarramos por elas em cada esquina. No meu universo, diz-se que ideias não têm valor. O que importa é a execução. Acho que é verdade.

Quando adolescente, eu adorava ler Terry Pratchett, autor infanto juvenil de livros de magia/comédia. Sempre tive certa fascinação por como as ideias surgem, mas naquela época ainda não tinha caído no erro de tentar entender de onde elas vêm de fato. Ainda me permitia encontrar mágica no “surgimento” das ideias. E Terry Pratchett tinha um conceito interessante sobre de onde elas vinham. Em um de seus livros, um pombo passeava tranquilo, voando, planando, sem preocupações. As ideias, como partículas de poeira, estão no Discworld, universo mágico do autor, flutuando, procurando um local para pousarem e desabrocharem. Uma determinada partícula guardava o sentido da vida. Flutuando em uma complexa coreografia, ia se aproximando do chão. Porém, no meio do caminho, se deparou com o cérebro daquele pombo. Por um mísero segundo, aquele pombo entendeu O PORQUÊ. O motivo de tudo isso aqui existir. Mas não estava pronto para internalizar o conceito e passar adiante porque…bem…porque era um pombo. E assim, nós humanos, fomos privados da compreensão da razão da existência disso tudo que está aqui.

Há na vida, coisas muito mais importantes do que o que é visível.

Ao longo de minha vida, entendo que tenho algumas características particulares que por vezes me distanciam de muito do que é o padrão do meu entorno. E tenho relutado com essas características. Afeito a refletir, penso demais. Preocupado com os outros, estou sempre buscando entender como minhas ações influenciam aqueles que estão em minha volta. Para o bem ou para o mal. Em suma, sou sensível.

E, enquanto escrevo, busco afastar essa palavra de minha identidade. Não posso ser sensível. Sou homem, o mundo é duro, para construirmos um mundo novo precisamos ser rígidos. “BITE THE BULLET” disse-me certa vez um executivo achando que a melhor forma de dar boas-vindas a jovens que estavam buscando aconselhamento profissional seria contando uma anedota sobre soldados amputados na Guerra da Secessão.

Mas essa palavra, “sensível” me identifica sim. Sempre me identificou. Todos somos sensíveis. Eu talvez tenha os receptores mais aguçados. E isso não é bom. E não é ruim. Isso é isso.

Há na vida, coisas muito mais importantes do que o que é visível.

Por que reluto por vestir essa camisa surrada? É surrada, mas é bonita, é confortável é aconchegante. É REAL! É quem eu sou.

Para evitar vesti-la, construí minhas armaduras. Fui ler e ler muito. Aprendi o que consegui até aqui sobre nossa biologia. Afastei o invisível, me concentrei no material. Mensurei, planejei, estruturei. O sensorial insiste em me procurar, meu cérebro, físico, insiste em se fazer presente e em explicar. Nesse momento, enquanto escrevo, reluto com a minha tendência de olhar referências (só dei uma olhada no significado da palavra sensível… foi mais forte que eu).

Nesse momento, estou entendendo que o invisível tem um poder sobre o físico que, por vezes, nos surpreenderá. Fui PARADO! Estátua. Revisa isso aí meu caro. Algo de errado não está certo. Pede altos, espera lá. Reflete. Mas não tenta entender muito não. Sente! Sente, porque você não está enxergando.

O que é visível se toca, se mede. O invisível não está o tempo inteiro te chamando atenção. Para ver o invisível há de se fechar a boca e abrir a mente. E sua mente tende a se focar no que há em frente.

Há na vida, coisas muito mais importantes do que o que é visível.

Laços nos unem. Unem-nos todos. Mobilizações em prol de causas. Que causas são essas? Nenhuma. Só a causa mais invisível e fugaz: o amor. Sinto no meu entorno uma multidão. Multidão muito visível quando estou por perto de cada um de vocês. Mas absolutamente invisível durante tantos outros momentos. Enquanto passo, dia após dia pela montanha russa mais radical que jamais imaginei que viveria, pequenas mensagens de carinho, de pessoas de todas as partes, desconexas, me encontram a todo momento. Pessoas que não falo há tempos me mandam mensagens lembrando de nossos momentos juntos. Pessoas que falo o tempo todo, perguntam com intenção genuína, como eu estou hoje. Porque ao fim e ao cabo, eu importo. E vocês me importam.

Há na vida, coisas muito mais importantes do que o que é visível.

Quem sabe eu não deixei de ser um pombo? Quem sabe dessa vez, aquela roupa no armário, aquela partícula que explica o que realmente importa em nossa existência, encontra um cérebro, um corpo e um coração prontos para internalizá-la? Quem sabe eu consigo enxergar o invisível? Ajude-me? Eu te ajudo de volta.

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