Homens também sentem

Guilherme Cintra
5 min readJan 15, 2020

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Vinte homens em volta de uma mesa. Futebol? Mulheres? Economia, política… não. O tópico era saúde mental. E histórias de sofrimento individual de cada um. Situação no mínimo peculiar por sua raridade. Mas rara por que?

Desde os tempos mais primórdios…talvez falando sobre mulheres e futebol?

Em 2016, 793 mil pessoas tiraram suas próprias vidas. Mundialmente, 1,8 homens morrem de suicídio para cada mulher. Em países desenvolvidos, de maneira curiosa, esse número chega a 4 homens para cada mulher. Paradoxalmente, 1,2 mulheres tentam o suicídio para cada homem, em um fenômeno conhecido na literatura sobre suicídio como “paradoxo de gênero”.

Em termos práticos, a explicação mais comum para o fato de mais homens se suicidarem de fato do que mulheres está nos métodos mais violentos e imediatos adotados. Enquanto homens recorrem a enforcamento ou armas de forma mais recorrente, mulheres têm uma maior tendência a recorrer a overdoses de remédios com efeitos menos imediatos e maior probabilidade de não gerarem morte efetiva.

Ao redor do mundo, homens se matam mais que mulheres

Independente disso, a realidade é que qualquer vida perdida para o suicídio é demais. Como homem, posso buscar exprimir a partir da literatura e de experiência própria, o que sinto que pode explicar o motivo de tantos de nós acabarmos vulneráveis a esse fim trágico. É a nossa própria falta de vulnerabilidade.

Somos ao longo de nossas vidas, bombardeados pela mensagem de que meninos não choram (já diria The Cure). E nossos pais tratam meninos e meninas de forma diferente, muitas vezes sem perceber. Um estudo recente demonstrou como mesmo o vocabulário usado é diferente. Pais tendem a usar com meninos palavras como “orgulho” ou “vencer”, gerando um senso de competitividade. Ao mesmo tempo que usam palavras mais relacionadas a emoções com meninas. O desenvolvimento da capacidade de expressar sentimentos não poderia então começar já limitado nos meninos? (E nas meninas talvez uma redução na potencial ambição e competitividade saudável?)

Ao longo dos anos, aprendemos portanto a evitar expressar como nos sentimos. Também temos reforço e a glamourização da tomada de risco, sucesso econômico, independência e individualidade.

Não ser capaz de sustentar uma família. Buscar ajuda. Ir ao médico. Expressar tristeza e sofrimento. Pecados que levam à perda imediata da masculinidade.

E como podemos nos livrar disso?

Com vulnerabilidade. Em essência, para um homem que teme se expor, terapia de exposição.

No meu caso, foi aos poucos. Por sorte, desde cedo me permiti estar em contato com meus sentimentos. Encontrava em amigas a possibilidade de falar sobre como me sentia já que enquanto adolescente, falar com amigos seria basicamente impossível. A resposta em geral era: “vamos jogar bola que tudo se resolve”.

Mais velho, ao ser forçado a me deparar com minhas sensações de sofrimento mais profundas a partir da minha depressão, o desespero me impulsionou a me abrir com a minha família. Existem algumas pessoas que se fecham na depressão. Por ter uma família que sempre expressou amor e preocupação, por mais que tenha me fechado para um mundo exterior, sabia que poderia contar com eles. Apesar do medo, sabia que não seria julgado por aqueles que mais me amavam. E me abri a falar sobre meu sofrimento.

Fundamental para a conquista de meu direito de ser como sou, foi aprender junto ao meu irmão a falarmos “eu te amo”

Eventualmente, me senti forte o suficiente para começar a falar sobre o tema ao mundo além da minha família. Durante palestras ou conversas nas quais me colocavam em um pedestal de sucesso profissional, falar sobre a depressão permitia um senso de possibilidade para algumas pessoas que vinham me contar sobre suas próprias questões psiquiátricas/psicológicas posteriormente. Sobre como também passavam por ansiedade e depressão. Abria-se espaço para a vulnerabilidade mútua e a conexão como seres humanos que sofrem mas que têm esperança.

Mostrar meu lado mais frágil em uma situação em que estou na posição de ser admirado passou a ser terapêutico. É poder fazer o que gostaria que fizessem por mim: que quem admiro expusesse qual a sua fraqueza e me permitisse se conectar com suas realidades mais profundas. E me energizar com a real possibilidade de, apesar de minhas falhas, alcançar o que almejo.

Ao me abrir com meus amigos, o que curiosamente aconteceu após a coragem de me abrir com completos estranhos, comecei a descobrir quantos deles sofriam com questões de saúde mental. Pessoas que conhecia há literalmente 20 anos e que não fazia ideia do que passavam.

Foi entender na prática quantas pessoas sofrem caladas e a gratidão pela sorte que tive de ter uma rede de apoio incrível na minha família e, eventualmente, nos meus amigos, que me fez tomar a coragem de ser cada vez mais aberto sobre o tema.

Hoje me orgulho por ser um homem que venceu a barreira. Que entendeu que a aparência de invencibilidade te leva a ser mais fraco que aquele que é aberto em sua vulnerabilidade. E que posso encontrar em meu sofrimento propósito ao conseguir ajudar outros a se tornarem mais fortes a partir de suas aparentes fraquezas.

Vinte homens em volta de uma mesa.

Estereótipos. Homens, em sua maioria do mercado financeiro. Mas amigos muito próximos.

O que nos uniu foi estereotipado no primeiro momento. Um encontro semanal em um boteco. Mas ao longo dos anos, nossa amizade se fortaleceu de uma maneira incomum para um grupo de vinte amigos. Ao longo desse tempo, nos tornamos cada vez mais humanos uns com os outros. Cada vez mais parceiros. Passamos a falar “eu te amo”. E a prova final dessa realidade se deu quando um de nós expressou como estava. Com uma depressão profunda.

E para minha surpresa, os outros dezenove se uniram. Discutimos literatura sobre o tema, pensamos em como cada um poderia se envolver e nos reunimos todos os vinte para conversar. E a beleza de tudo foi que, de maneira natural, após ouvirmos atentamente como nosso amigo estava se sentindo, nos expressamos em relação a nossos momentos mais difíceis. Nossas angústias e inseguranças. Fomos vulneráveis. E, pelo menos de minha parte, passei a admirar ainda mais cada um daqueles homens que estavam à minha volta. Aquilo era amor. Palavra raramente associada a um grupo de amigos de boteco de forma desprendida. Homem não ama, homem é brother. Porra nenhuma. Homem que é homem sofre e ao se permitir, ama e se expressa. E por isso, é mais forte.

Estamos ainda na luta para nos ajudarmos. Hoje, quando eu tenho uma recaída, sei que posso contar com eles. Vi isso na prática. E isso me dá uma tranquilidade e um orgulho imenso.

Essa rede de proteção salva vidas. Se você está passando por uma situação difícil, busque ajuda de quem se importa. E seja aberto sobre como se sente. É possível que se surpreenda, como eu constantemente, com a receptividade. Se conhece alguém que esteja passando, faça parte dessa rede.

E ame e fale que ama. Sinta e fala que sente. Se expor te tornará mais forte.

Ps: vocês sabem quem vocês são. Amo cada um de vocês.

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