Em busca de quem estou

Guilherme Cintra
6 min readJan 10, 2020

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Quem sou eu? Essa é uma das perguntas que soam mais simples. Mas que em realidade são das mais complexas de se responder.

Para conseguir encontrar respostas, nosso atalho mental tende a nos levar a encontrar em nossas atividades profissionais nossa identidade. Não é à toa que diversas línguas encontraram a solução pra nossos sobrenomes em nossas atividades práticas. Desde o alemão com Schumachers e Schweinsteigers até inglês com Smith ou Potter, essa não é uma realidade incomum.

Mas será que somos feitos apenas para sermos autômatos prontos a realizar as atividades as quais por algum motivo nos dedicamos?

Um Schumacher

Uma busca recente que estou empreendendo é a tentativa de nos identificar de maneira a excluir o trabalho como único definidor de quem somos.

Pense só na primeira coisa que você faz após perguntar o nome de alguém que acaba de conhecer. Ou após reencontrar alguém depois de um tempo sem notícias. “O que você faz/anda fazendo?”

A reflexão veio após um período particularmente difícil no meu trabalho. Que jogou minha autoestima em um buraco.

E aí, em um belo momento encontrei um ex-colega da escola que não via fazia tempo. Ao perguntar:

-“E aí o que anda fazendo?”

Ao invés da resposta tradicional e profissional recebi uma surpresa.

-Casei recentemente e estou com uma filhinha linda — seguida de uma foto da família.

Na minha cabeça, tilt. Estava prestes a responder com “estou trabalhando com tecnologia educacional” mas me peguei antes de pronunciar essas palavras. Seria realmente essa a coisa mais importante para atualizá-lo durante todos esses anos que não tínhamos nos visto?

Segurei-me e respondi:

- Também acabo de me casar! Passei dois anos morando em BH e estou muito feliz de estar de volta ao RJ. Encontrando amigos e família constantemente.

Minha vontade era de continuar falando sobre como estava feliz de minha esposa ter voltado a morar todos os dias comigo ao invés de continuar indo e voltando de sua cidade constantemente. Como gostava de tomar café com ela e com nossos bichinhos. E como estava feliz em ir pra praia novamente todos os fins de semana. Mas o metrô chegou no ponto e eu saltei.

Cheio de preocupações novamente. Mas com uma pulga atrás da orelha. Será que consigo me entender como alguém mais do que um trabalhador?

O metrô é um belo lugar para epifanias aleatórias
Um belo lugar para epifanias aleatórias

Entenda-me. Amo meu trabalho. E lógico que ele é uma parte fundamental de nossas vidas. É compreensível que o que façamos conte algo sobre quem somos. Mas não deve ser compreendido como o fundamento de nossa existência. E sim como uma expressão de quem somos. Ou melhor, quem estamos. Afinal mudamos continuamente. E por isso, podemos ressignificar nossa relação com nossa profissão.

Temos, como sociedade, uma mania de aplaudir quem é workaholic. Quem vive em função de uma única atividade. E por vezes, identificamos isso com uma paixão. E aplaudimos ainda mais. E invejamos por talvez não termos essa mesma paixão a nos guiar.

Recentemente me deparei com uma visão contrária a essa tendência. A autora Elizabeth Gilbert (de Comer, Rezar e Amar) em uma conversa com Guy Raz do podcast Ted Radio Hour fala sobre como nos forçamos a identificar nossa profissão com uma paixão. Uma vocação. Um chamado. Algo que informa quem você é por inteiro. Nem todos têm essa paixão. O que nos joga em uma busca desesperada que pode somente nos levar a uma frustração. Ao invés disso, ela sugere que persigamos nossa curiosidade. E uma das minhas maiores curiosidades é exatamente entender o ser humano. E que lugar melhor pra começar do que experimentar comigo mesmo essa compreensão?

E assim comecei a buscar entender melhor quem sou. Focando nos aspectos mais fundantes de quem sou. Afinal, já mudei tanto de atividade que somente poderia me entender como uma metamorfose ambulante. O que em si é já parte de quem sou. Aprendi a valorizar essa minha característica.

Sou um ser curioso. Quanto mais possibilidades de aprender temas diferentes, melhor. Gosto de aprender fazendo e iterando com leituras e conversas.

Adoro gente. E adoro ver pessoas evoluindo. Se existe algo na minha vida do qual me orgulho são as pessoas que sinto que consegui ajudar a evoluir de alguma maneira. Acredito que todos podem aprender.

Gosto de novas experiências. De novas sensações e formas de entender o mundo.

Tenho dificuldades em entrar em conflitos. Quando preciso fazê-lo, me preparo e atuo.

Sou ansioso. E sofro de transtorno bipolar. E por isso mesmo, sou fascinado por neurociência. Afinal, também sou agnóstico, então minha abordagem para a compreensão do que não entendo passa em geral por ciência.

Gosto de criar. Aprendi ao longo do tempo que a criatividade não é inata. E que podemos desenvolvê-la.

Não acredito em livre arbítrio. E acredito que isso me faça um ser humano melhor e me traz compaixão. Mas ainda tenho muito mais compaixão por outros do que por mim mesmo.

Bom começo. Mas queria mergulhar um pouco mais. E por isso, fiz outro experimento.

Acredito que somos também formados por aqueles que estão à nossa volta. Eles deixam pequenas partes de si. Nos influenciam com suas opiniões, suas visões de mundo. Buscamos nos cercar de quem amamos. E na busca por me entender mais sobre quem estou, organizei com minha esposa um jantar (ou melhor, comprei uns petiscos e pedimos uma pizza no Rappi…). Chamamos de Jantar das Profundezas. Convidamos seis amigos de grupos diferentes que pouco se conheciam. Pessoas que amo e respeito profundamente a forma de pensar. Após contar essa história toda sobre a busca de quem estamos, começamos o “jogo”.

O pessoal esperava mais do jantar, admito…

O “jogo” consiste simplesmente em fazer perguntas as quais normalmente não nos aprofundamos. Mesmo com aqueles mais próximos. E que geram reflexões sobre quem somos e o que buscamos.

“Com qual experiência você mais aprendeu em sua vida?”; “Como você é louco?”; “Me conte sobre algo que você acredita mas que poucas outras pessoas acreditam’; “O que você acha sobre religião?”; “O que é amor para você?”

Alguns aprendizados que saíram:

A) Sabemos menos do que pensamos sobre aqueles que amamos. E nos repensamos ao ouvir mais sobre opiniões dessas pessoas.

B) No fim do dia, o que queremos mesmo saber é o que nos faz feliz. É impressionante o número de vezes que voltamos a nos deparar com essa questão em diferentes perguntas.

C) É possível juntar em um único jantar os elementos básicos necessários para se autocompreender: pessoas que ajudam a te moldar, reflexão sobre experiências e novas formas de se questionar e enxergar. É uma forma de terapia express.

D) Esse jogo é extremamente divertido, recomendo e com certeza farei de novo. Afinal, é provável que da próxima vez minhas respostas sejam diferentes.

“Diga-me com quem anda, que direi quem és”. Após ouvir as reflexões de meus amigos, passei a entender mais quem sou. E ao apreciar mais ainda eles, passei a me apreciar mais também.

Quando nos abrimos para nos definirmos de maneira diferente do que fazemos de 9 às 18 (até parece…) há uma sensação de alívio.

Uma ansiedade que tenho é o fato de que me identifiquei tanto como um educador que se algum dia quiser fazer qualquer coisa diferente disso, posso perder o que me define. Posso gerar decepção em quem me admira por gostar dessa atividade socialmente aceitável. E isso cria um afunilamento das possibilidades da minha vida. Escolhas demais nos geram ansiedade. Mas a ausência de escolhas logicamente nos gera o mesmo.

Assim, na próxima vez que alguém me perguntar quem sou, espero conseguir responder com algo bastante diferente de “toco uma área de tecnologia em uma empresa de educação”. Afinal, sou muito mais que isso. E você é muito mais do que normalmente se lembra. Teste se reidentificar. A sensação é de liberdade.

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