A nossa dança

Guilherme Cintra
5 min readFeb 1, 2020

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Nossa história de amor é um tanto diferente. De alguma forma que ainda não entendo exatamente, ela entendeu antes de ser possível, que nosso lugar era junto. E deixou isso claro. E eu…bem, eu tentei fugir.

Foram dois anos de idas e vindas. Até que o improvável aconteceu. Pergunto eu:

-Vem cá, faz dois anos que estamos nisso aqui… o que você quer comigo?

Com toda a sinceridade que só é possível na ausência completa de esperança, ela:

- Ter a Olívia e o Joaquim com você.

Detalhe: até aqui, tínhamos nos visto quatro vezes na vida.

A história toda é muito mais longa e confusa. Mas é essa aparente incoerência que precisava apontar. Sou ansioso. Como que uma mulher me diz que quer ter meus filhos antes de saber direito quem eu sou e é isso que me faz tomar a decisão de finalmente, estarmos juntos?

Na verdade, ainda tivemos mais uns percalços momentâneos, mas enfim, spoiler alert, somos casados e muito felizes. Não, Olívia e Joaquim não vieram mas por enquanto temos a nossa coelhinha Sutra e nosso lóris, Confete.

Não sei. Sei que de alguma forma ela tocou em um desejo no fundo da minha alma: de constituir família. Algo que já tinha basicamente abandonado. Mas que ela fez voltar a ter sentido. E aí eu esqueci todos os meus medos de estarmos juntos.

Entendam. Ela também é ansiosa. Em nosso primeiro encontro, um fim de semana na cidade mais ansiosa do mundo, SP, uma das primeiras coisas que acabamos fazendo foi… discutir quais remédios para ansiedade tomávamos (?!?)

Meu medo portanto era que estarmos juntos levasse a um caminho certo de codestruição. Como estava errado…

Doenças mentais nos levam por vezes a soar arrogantes:

-Quem nunca teve depressão, não sabe como é…

Apesar de como soa, acredito que seja verdade. Quando estou bem mesmo eu que passo por isso não entendo muito bem a sensação.

Então, o primeiro ponto básico é que nos entendemos. Mas isso não basta.

O segundo ponto é: conversamos o tempo todo. Sobre tudo. E se tem algo que nos deixa minimamente desconfortáveis… conversamos.

Esse é o sonho de um ansioso que se preocupa com o que os outros podem estar pensando. Imagina ser capaz de conversar com qualquer pessoa que possa estar parecendo não estar feliz com você e entender exatamente o que aquela pessoa está pensando. E ter certeza de que independentemente do que seja, vocês poderão resolver juntos. É assim como eu me sinto com ela. E isso dá uma segurança incrível.

O terceiro é: buscamos nos desenvolver juntos. E isso inclui nosso relacionamento. Ouvimos podcasts, lemos livros e trocamos artigos sobre o tema. Queremos saber como podemos ser um casal melhor. Porque sabemos que juntos somos mais felizes. E estamos aqui pro longo prazo.

É a ilusão que perpetramos em romances e filmes infinitos, de que o amor “acontece”, de que é o início de um relacionamento que importa, que nos torna desesperadamente ansiosos. “E se não acontecer pra mim?”, “como eu sei que é amor?”…

Não faço ideia de quais sejam as respostas pra isso. Mas sei que se alguma vez quiser dar uma chance pra que funcione, esforço será necessário. Um início maravilhoso não garante nada a não ser talvez um bom roteiro de filme. É a parte depois dos créditos que é bonita de verdade. Mas que demanda reflexão e troca contínua.

O quarto ponto é peculiar: somos amorosamente pessimistas. Seneca já ensinava milhares de anos atrás como sair de casa esperando pelo pior só pode levar a um resultado de zero pra cima. A velha história de gerenciamento de expectativas. Eu já tinha namorado mais de uma vez por anos. Ela ainda não. E aí no início ficava chateada quando falava:

-Se lembra que em algum momento a gente não vai mais estar apaixonado.

Coisa de insensível você deve estar pensando, imagino…mas é a forma como melhor podia, mesmo que inconscientemente, deixar claro o quanto queria estar com ela pra sempre. Se me fixasse apenas no momento maravilhoso dos primeiros meses, ao sinal do primeiro desgaste da paixão, podíamos perder de vez o que tínhamos. Somos ansiosos e intensos. Como lidar com o momento em que a intensidade dá lugar à rotina? Sabendo que ela vem e encontrando prazer nela.

Considero que pessimismo seja, ao lado do diálogo, um dos principais pontos que fazem com que após quatro anos juntos ainda sejamos apaixonados. Adoro nossa rotina. Adoro acordar, fazer exercício, fazer café juntos, cuidar dos nossos bichinhos, sair pra trabalhar e voltar pra casa pra ela pra perguntar como foi o dia e curtir nossa vidinha a dois.

Mas um dia passa… Agora estamos vendo gráficos sobre como, em média, a felicidade do casal cai vertiginosamente após o nascimento do primeiro filho. Ah, o amor…

Já estamos ansiosos para nosso primeiro filho sair de casa :) gráficos e uma dose saudável de pessimismo sempre ajudam

No fim, todos esses pontos se resumem a uma única coisa: parceria. É meio louco como a gente consegue ao longo dos dias encontrar uma dinâmica de bipolaridades complementares. É a nossa dança. Eu caio, ela me levanta. Ela cai, eu levanto ela. Os dois caem, a gente senta no chão, chora junto e levanta de novo. Os dois pulam e a dança continua…

A sensibilidade de entender o momento do outro passa primeiro pela sensibilidade de entender seu próprio momento. Saber a hora de pedir ajuda. A hora que está pronto a estender a mão. E a hora que os dois precisam encontrar forças juntos.

O amor ansioso, quando vivido em parceria é maravilhosamente seguro. Quando tudo em volta parece voar em um furacão, existe um lugar firme. Alguém que você pode confiar. Alguém que te entende. É entender que esses dois inteiros, meio quebrados, escolheram estar juntos, se apoiarem, pois sabem que são melhores assim.

A vida de um ansioso é intensa. O amor pode ser também. Mas ao longo dos anos, entendemos que amor deve ser intensa tranquilidade. Apreciar a rotina e a beleza do passar dos dias com quem se ama, buscando aproveitar cada um dos detalhes. De alguma forma, ansioso com ansioso pode dar tranquilidade.

Mas pra isso, é necessário esforço com intencionalidade. É preciso se esforçar pra aprender a dançar a dois.

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