A “educação” no governo Bolsonaro

Guilherme Cintra
6 min readOct 10, 2022

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Se existe uma pauta que acompanho mais de perto, é a da educação. Recentemente ouvi uma frase que trouxe muita clareza do porquê de educação ser uma pauta tão difícil de trazer como primordial na política: segurança pública, você pode sofrer violência diariamente. Saúde, vez por outra você precisa do hospital. A ignorância só cobra o seu preço em longo prazo. Por isso, é fácil esquecer quão ruim esse governo foi para a educação brasileira.

Os recentes cortes no orçamento da educação, aparentemente revisados após pressão público, são só uma última expressão do que é, no mínimo descaso e, em sua pior faceta, um projeto de destruição de um sistema que, se não funcionava bem, pode piorar. E muito.

Vitórias foram sim alcançadas nas últimas décadas em governos FHC, Lula, Dilma e Temer: aumento do acesso em educação básica e superior, aumento da população alfabetizada, algum aumento na qualidade, discussões nacionais levando a um novo currículo. Gostaríamos de ter avançado muito mais. Problemas graves existiram como o FIES dando espaço exagerado para cursos sem qualidade adequada, favorecimento suspeito de algumas companhias ou a formação de nossos professores ser em sua grande maioria, a distância, sem práticas pedagógicas adequadas. Mas o que vemos nesse governo é um violento retrocesso.

Logo em seu início, o mandato de Bolsonaro mostrou a que veio na educação. Ricardo Vélez foi colocado no comando do ministério como resposta à “doutrinação da esquerda” e os “problemas” gerados por Paulo Freire. A sorte é que a incompetência foi tamanha, que a briga entre militares (cuja principal pauta foi a criação de escolas militarizadas, com custos mais altos e sem real comprovação de efetividade) e de Olavistas (sério.. ) que viam a política da terra arrasada como a única forma de combater o “marxismo cultural”, em sua própria cruzada ideológica, impediu qualquer objetividade nas “propostas” desarticuladas do desgoverno que se iniciava.

Com todas as críticas à doutrinação em escolas, foi durante o mandato de Vélez à frente do MEC que vimos escolas serem obrigadas a gravarem seus alunos cantando o hino nacional e enviando para o MEC no retorno às aulas. Revisão de materiais didático (censura) inclusive com um gradual revisionismo para que os livros cobrissem o golpe de 64 como revolução, revisão de itens do Enem (censura), reforço do discurso de combate à “ideologia de gênero” nas escolas… Essas eram as prioridades desse governo.

Enquanto isso, a BNCC que, após discutida deveria ser implantada com o apoio e coordenação do governo federal junto a estados e municípios, após mais de uma década de discussão nacional suprapartidária, era abandonada.

Aí veio Abraham Weintraub. Ainda na linha ideológica, logo no início definiu que retiraria recursos das universidades federais que “promovessem a balbúrdia”. UnB, UFF e UFBA foram os bodes expiatórios escolhidos. Após a mídia, a sociedade e a justiça questionarem a arbitrariedade da medida, Weintraub voltou atrás e decidiu que ia cortar a verba de todas as universidades federais. Weintraub posteriormente viria a afirmar que as universidades plantavam maconha e produziam mentafetamina. Chamado à Câmara dos Deputados, reafirmou, sem qualquer prova e afirmou que a polícia militar deveria estar nos campi. Os cortes viriam a ser especialmente focados em universidades de humanas. O viés ideológico das decisões parece no mínimo incongruente para alguém que questionava uma visão ideológica nas universidades. Ideológico é tudo com o que eu não concordo, aparentemente. Enquanto isso, a pandemia rolava e a única política pública na lista de prioridades do governo em educação era a aprovação do homeschooling. Pauta completamente desvinculada da realidade do país e dominada pelos desejos de um campo conservador.

O fim do mandato de Weintraub no cargo se deu da forma mais mesquinha possível. Fugindo da Polícia Federal após falas contra o STF, seu último ato foi extinguir cotas para membros de povos indígenas em cursos de pós-graduação. Ação prontamente revogada uma semana depois. Mais uma vez, um ministro que promove a verdadeira balbúrdia e atrapalha os avanços necessários em nosso sistema educacional.

Aí tivemos um ministro interino após Carlos Dacotelli ser nomeado e descartado 5 dias após por mentir em seu currículo. Já perdemos a conta?

Se Vélez e Weintraub colocaram a educação em algo que parecia um primeiro capítulo de um romance distópico, Milton Ribeiro nos levou às páginas policiais. Em um primeiro atrito com a justiça foi acusado (e viria a ser condenado) por homofobia após afirmar uma pretensa relação entre homossexualidade e famílias desajustadas. Depois, dois pastores, sem qualquer vínculo com o governo, passaram a comandar a agenda do Ministro. Em áudio vazado, o próprio Ministro afirma que a pedidos do presidente, os municípios a serem priorizados seriam aqueles indicados pelo Pastor Gilmar, ligado ao Ministério Cristo para Todos, ramo da Assembleia de Deus. Com isso, recursos passaram a ser destinados e desviados para os municípios que o Pastor definia como mais importante. Após falar que “botaria a cara no fogo pelo Ministro”, na semana seguinte Bolsonaro falou que é Milton Ribeiro que “responde pelos atos dele” e que “se a PF prendeu, tem motivo”.

Enquanto o ministro buscava enriquecer, passávamos por uma pandemia. E em meio à maior crise já vivida pelo nosso sistema educacional, o Governo se eximiu da responsabilidade de coordenar Estados e Municípios nas ações que buscavam permitir aos jovens seguirem estudando de alguma maneira. Vivi isso de perto com NENHUM apoio sendo dado ao município do Rio de Janeiro durante esse processo. O Governo Federal apareceu apenas para, na figura do Presidente, vetar a Lei de Conectividade que buscava dar recursos a estados e municípios para lidar com a crise. Alegou a necessidade de responsabilidade fiscal. O veto foi derrubado pelo Congresso.

É nesse governo que temos também o Arthur Lira direcionando verbas do orçamento secreto para seu estado natal, Alagoas, favorecendo a empresa do pai de seu amigo, o vereador de Maceió João Catunda. R$ 55 milhões em kits de robótica superfaturados sem vínculo com programas educacionais estruturados. Responsabilidade fiscal?

Atualmente, temos Victor Godoy, que fez carreira na CGU, sem nenhum vínculo anterior com educação. Faz menos barulho. É o melhor que podemos esperar no governo Bolsonaro. Um técnico, mesmo que não da área, que não tenta polemizar.

Existem diversas pautas relevantes a se imaginar quando pensamos no papel de um presidente. Mas quem pensa em educação como um tema relevante ao votar, não tem como votar em Bolsonaro. Aqui, mais uma vez, tenho críticas ao governo Lula, que deveria ter focado tão mais de sua política no Ensino Básico. Mas a busca proativa por destruir o que se está construindo há décadas em prol de devaneios anticomunistas e anti “ideologia de gênero” é algo de surreal.

Da esquerda pra direita, Vélez, Weintraub, Decotelli e Milton Ribeiro (o atual é Victor Godoy). Em quatro anos, cinco ministros

Um último ponto: cabe como cidadãos de uma democracia, entendermos como pautas que o campo progressista vê como tão naturais, a exemplo dos direitos humanos sendo tratados no sistema educacional, podem ter sido interpretadas, muito antes do Bolsonaro ser presidente, como doutrinárias. De fato, o convívio que tive em escolas públicas federais me trouxe uma visão de que por vezes, opiniões mais à direita no campo econômico são colocadas no mesmo campo de retrocessos sociais e não têm espaço para discussão. O que dirá de visões sociais mais conservadoras?

Ou como os institutos federais e universidades públicas de modo geral passaram a ser vistos como “antros da esquerda”. É importante entender se existe espaço para um debate intelectual de opiniões diversas. Ao rechaçarmos intelectuais de opiniões divergentes, arriscamos produzir novos Olavos, pretensos intelectuais ressentidos que se apegam a visões de mundo antiquadas para alimentar seu ego ferido.

Se não olharmos de forma crítica para como podemos estar criando nossas próprias bolhas, criaremos reações à nossa própria arrogância intelectual progressista.

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